A Lei 4.131, publicada em 2 de maio de 2008 no Distrito Federal, “proíbe o uso de aparelhos celulares, bem como de aparelhos eletrônicos capazes de armazenar e reproduzir arquivos de áudio do tipo MP3, CDs e jogos, pelos alunos das escolas públicas e privadas de Educação Básica do Distrito Federal”. Outras propostas legislativas – todas da mesma época, e algumas já aprovadas e revogadas – também trataram desta proibição em outros estados e municípios.
A lei em questão, um reflexo do PL 2.246-A, de 2007, buscava regulamentar o uso do celular na sala de aula, algo que até então tinha um impacto estritamente negativo no ambiente escolar. O texto, que não envelheceu de forma graciosa, menciona a constante troca de “torpedos” entre alunos e a possibilidade do uso do aparelho para “games”, bem como o favorecimento de relações não presenciais em detrimento das interações face a face como argumentos para justificar a proibição.
Hoje, quase nenhuma das leis aprovadas para coibir o uso do telefone celular na escola ainda está em vigência, e os celulares são ubíquos no cotidiano: em salas de espera, recepções, transporte público e até no trânsito, é raro observar aglomerações nas quais muitos não estejam fazendo uso do aparelho.
Onde estávamos à época dessa legislação sobre o uso de celular em sala?
Os aficionados por tecnologia vão lembrar que 2007 marcou o lançamento do primeiro smartphone da Apple, então um item de luxo. Ao desembolsar cerca de US$600, um preço exorbitante para uma época na qual os telefones raramente passavam dos US$200, recebia-se no máximo 16GB de armazenamento interno, uma câmera de 2 megapixels e, então a grande revolução do mercado, um display colorido touchscreen de resolução de 320×480.
Ter uma maçã eletrônica no bolso, contudo, não era para todos, muito menos para os alunos. A implementação da tecnologia 3G andava a passos largos no território nacional e com isso vivíamos a popularização dos planos pré-pagos, democratizando o acesso à telefonia móvel.
Os telefones populares, entretanto, frequentemente contavam com tela monocromática e as câmeras dos aparelhos coloridos eram novidade, uma forma portátil e conveniente de registrar imagens de péssima qualidade – tente buscar fotos tiradas nos telefones da época, poucas sobrevivem, menos ainda são de alguma utilidade prática.
Além disso, tínhamos um ecossistema diverso de sistemas operacionais e interfaces proprietárias, de difícil navegação e usabilidade limitada. Estávamos no início da padronização polarizadora do software para telefones celulares, com o primeiro telefone Android no horizonte, lançado em 2008.
O que faziam então os estudantes com seus telefones?
Com os avanços anteriores em hardware e miniaturização, cada vez mais funcionalidades eram colocadas em telefones. Eles rapidamente substituíram aparelhos comuns entre os jovens, principalmente os reprodutores de mídia. Além disso, operadoras começavam a oferecer pacotes substanciais de SMS (o famoso “torpedo”, fonte de diversas contas astronômicas), e cobertura HSPDA, que trouxe mais velocidade e deu mais usabilidade para a internet móvel, que popularizou o MMS, permitindo o compartilhamento de fotos tiradas pelos telefones.
Saíram então os discmans, walkmans e MP3 players, e entraram na sala de aula os telefones celulares, muito menores e mais discretos. Além disso sumiram também os bilhetes de outrora, substituídos por SMS. Como toda essa facilidade, e ainda em processo de criação de uma cultura do uso de celulares, algumas atitudes eram necessárias, ao ponto de virarem tema legislativo.
É claro que era necessária uma medida impositiva, radical e unilateral. Telefones celulares na sala de aula estavam atrapalhando o desenvolvimento dos alunos, e professores, também envolvidos no rápido avanço tecnológico da telefonia portátil, não estavam equipados para lidar com o intruso em sua classe. Estávamos ainda muito distantes de boas implementações pedagógicas do aparelho.
Mas essas medidas cabem hoje? Ainda temos a mesma relação com nosso telefone?
Ouça o seu cotidiano e repare como os telefones, por sua ampla disseminação – temos hoje mais de um celular por habitante no Brasil –, passaram a ser muito menos intrusivos. Em 2007 tínhamos toques polifônicos pela primeira vez, e eram motivo de orgulho para os jovens. Celulares disparavam barulhos estridentes por tudo e interferiam em aulas e reuniões.
Sua capacidade aumentou, as fotos criam hoje um registro fidedigno, ficou possível reproduzir áudio em excelente qualidade e a Internet passou a ser navegável e a se concentrar neste formato – só quem passou por isso lembra do martírio de navegar em sites otimizados para desktop utilizando apenas as setinhas do teclado físico – e o boom dos smartphones ampliou a conectividade entre as pessoas, efetivamente diminuindo as distâncias.
A educação não ficou para trás, aplicativos educacionais começaram a surgir, e aos poucos foram assimilados por professores em contato com a tecnologia. Hoje, os telefones celulares, que já foram artigo de luxo, solução para quem morava fora da área de cobertura de telefonia fixa, e intruso no dia a dia, passaram a ser parte integral de nosso cotidiano, sendo a principal ferramenta de trabalho em diversas áreas do mercado profissional.
A formação de uma cultura em torno do telefone celular diminuiu – mas não eliminou – seu caráter de intruso. Ainda é necessário manter o controle e estabelecer regras claras para seu uso em sala de aula, mas privar professores e alunos do que é possivelmente uma das ferramentas tecnológicas mais revolucionárias e democráticas de nossa história é, assim com a legislação a respeito, no mínimo antiquado.
Então o que fazer?
Como qualquer ferramenta, o celular é apenas tão eficiente quanto o usuário. É importante que professores e dirigentes escolares estejam em contato com a tecnologia e consigam implementá-la de forma eficaz com seus alunos. As agendas escolares aos poucos estão sendo substituídas por equivalentes online, acessados principalmente por smartphones.
A comunicação com e entre alunos, pais e professores foi facilitada, trabalhos em grupo podem ser organizados por meio de trocas de mensagens, projetos longos podem ser acompanhados por registros fotográficos e práticas podem ser desenvolvidas e acompanhadas online – basta observar o avanço dos aplicativos voltados ao estudo individual.
Além disso, a ferramenta de comunicação pode proporcionar novas experiências de mundo aos nossos alunos, seja na forma de plataformas de comunicação já consolidadas, que permitem que alunos dialoguem com seus pares em outro país, ou em tecnologias mais obscuras como realidade virtual e geocaching.
Assim como outras inovações, os celulares podem ser uma fonte de problemas ou um recurso a ser explorado. Por natureza, suas aplicações estão em constante mudança e evolução, mas com um pouco de cuidado, e um diálogo franco com alunos, podem revolucionar também a sala de aula e seu acompanhamento.
Não podemos ter medo de algo que usamos todos os dias para fins pessoais e precisamos criar uma ponte para nosso uso “adulto” do telefone, reforçando para nossos alunos o uso crítico e autônomo do aparelho, de forma a consolidar sua posição em nossa cultura. Algumas tendências tecnológicas são passageiras, mas os telefones celulares, ao que tudo indica, vieram para ficar. Cabe a nós então, como educadores, dar o exemplo de uso consciente.
Por: Kaoue Guimarães
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