Mesmo sem prever a pandemia do COVID-19 que se instaurou no mundo já era possível antecipar que o ano de 2020 seria um ano de muitos desafios e questionamentos para instituições de ensino. Estamos falando da reforma do Novo Ensino Médio e BNCC.
Em 2019 algumas escolas conseguiram estruturar seus currículos de acordo com o exigido enquanto outras aproveitaram o ano para discutir e organizar um plano para implementar as mudanças. O ano de 2020 seria então um período de experimentações e definições.
Na atual situação que o mundo se encontra, no entanto, é importante que não esqueçamos os desafios para reformulação do Novo Ensino Médio e, pelo contrário, que possamos aproveitar a crise para entendermos e começarmos a planejá-lo com certa calma. Afinal, ainda existem muitas dúvidas sobre essa importante modificação, seja em seu planejamento, ou em sua implementação.
Por que a mudança chegou?
Precisamos começar entendendo um pouco mais sobre o contexto que levou a transformação do segmento. A etapa do Ensino Médio sempre foi muito polêmica e nos últimos anos parecia cada vez mais destacada em relação aos primeiros anos da educação básica.
Muito voltado para os exames nacionais, o Ensino Médio atual tem como pilar principal a transmissão do conteúdo que prepara o estudante para a árdua batalha de ser aprovado em alguma instituição do ensino superior.
Enquanto isso, estatísticas do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (INEP), apontam o Ensino Médio como o gargalo da educação brasileira com alto índice de evasão dos estudantes e, daqueles que cursam, muitos não conseguem se formar.
Ainda segundo o INEP, o índice de desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) de 2017 para o Ensino Médio foi de 3,6, muito longe da meta estipulada de 4,7 e ainda mais distante dos 6,0 pontos desejados para 2022 como meta geral. Para a rede privada, o índice de 5,8 também não atingiu a meta de 6,7.
Considerando os resultados aquém do esperado associados a alta evasão e reprovação dos estudantes, foi preciso pensar em mudanças que transformassem o Ensino Médio em uma etapa mais estimulante e significativa para os alunos.
A linha do tempo dessa mudança
Em 2014 houve a inclusão de estratégias no Plano Nacional de Educação (PNE) trazendo a trazendo a renovação do Ensino Médio, a elaboração da Base Nacional Curricular Comum, a abordagem interdisciplinar, currículos flexíveis e diversificados e a determinação de conteúdos obrigatórios e eletivos.
Foi apenas em 2017, com a Lei 13.415, que foram estabelecidas mudanças na etapa do Ensino Médio. A lei ampliou da carga horária dessa etapa e definiu uma nova organização curricular que ficou mais bem definida em 2018 com a homologação do texto sobre a etapa final da educação básica da Base Nacional Curricular Comum (BNCC).
Além da BNCC, documentos como as Diretrizes Curriculares Nacionais, os referenciais curriculares e o guia de implementação do Novo Ensino Médio também foram criados para o auxílio na implementação dessas mudanças. O prazo para a adequação das escolas ao Novo Ensino Médio é 2022.
O que de fato mudou
A maior e principal mudança no Ensino Médio foi o novo olhar para o papel do estudante. Entender esse ponto é fundamental e será o norte para todas as outras mudanças.
O estudante passa a ser o centro da vida escolar e é percebido como o indivíduo que provocará as transformações necessárias no e para o mundo. Ele passa a ter o protagonismo, podendo, de fato, desenvolver e colocar em prática seu poder de decisão em torno dos seus interesses, o que já de início pressupõe um aumento no engajamento dos alunos.
Essa mudança se concretiza com algumas alterações práticas na etapa do segmento. As principais são:
- Ampliação gradual da carga horária;
- Desenvolvimento das competências gerais da educação básica;
- Um novo currículo complementar unindo uma parte comum – Formação Geral Básica – e uma parte flexível – os itinerários formativos.
Sobre a ampliação da carga horária
Inicialmente, o Novo Ensino Médio passa a ter uma carga horária de 3000 horas no total, um aumento de 600 horas em relação ao cenário atual.
Essa carga horária, no entanto, precisa respeitar a divisão entre a formação geral básica, que deve totalizar pelo menos 1.800 horas, e os itinerários formativos, que devem completar as restantes 1.200 horas.
É importante notar, entretanto, que as horas dedicadas aos itinerários formativos podem ser distribuídas de forma flexível. A escola pode optar por iniciar o Ensino Médio com uma carga horária menor dedicada aos itinerários e aumentar gradativamente, por exemplo. Ou pode distribuí-la por igual ao longo dos 3 anos – 400 horas/ano.
Sobre as competências gerais
O desenvolvimento de um currículo baseado no trabalho das competências gerais propostas na BNCC faz com que o estudante passe a ter um progresso integral. Isso significa que, mais do que apenas deter o conhecimento, ele desenvolverá outros aspectos importantes para se tornar dono de suas ações por meio de uma evolução física, cultural, social e emocional.
Com o propósito de desenvolver o aluno integralmente, a BNCC lista não só as competências gerais, mas também as específicas relacionadas a cada área do conhecimento, trazendo um forte estímulo a interdisciplinaridade. São elas:
- Linguagens: Língua Portuguesa, Língua Inglesa, Artes e Educação Física
- Ciências da Natureza: Biologia, Física e Química
- Ciências Humanas e Sociais Aplicada: Filosofia, Geografia, História e Sociologia
- Matemática
A proposta do documento é intensificar a integração das disciplinas dando flexibilidade às escolas para trabalharem os conteúdos de forma mais livre. Por esse motivo, as habilidades a serem desenvolvidas para cada competência não obedecem a nenhum tipo de seriação.
Dessa forma, os conteúdos definidos pela escola podem e devem continuar a ser oferecidos, modificando apenas a forma com que são trabalhados. A única observação é que Língua Portuguesa e Matemática precisam estar presentes nos 3 anos do Ensino Médio.
Sobre os itinerários formativos
Desenhar itinerários formativos talvez seja a parte mais desafiadora para as escolas dentro do Novo Ensino Médio. Muitas são as dúvidas em relação ao que pode ser feito e como pode ser feito.
Em primeiro lugar é preciso pensar a parte flexível do Novo Ensino Médio como complementar à Formação Geral Básica. Elas são indissociáveis e precisam dialogar no que diz respeito ao conteúdo que será abordado. Os itinerários têm como objetivo:
- Ampliar e aprofundar as aprendizagens das competências gerais de uma ou mais áreas do conhecimento, e aqui entra também a opção da Formação Técnica e Profissional.
- Consolidar a formação integral dos estudantes.
- Promover a incorporação de valores universais como ética, liberdade, democracia, justiça social, pluralidade, solidariedade e sustentabilidade.
- Desenvolver habilidades que permitam aos estudantes ter uma visão de mundo ampla e heterogênea, tomar decisões e agir nas mais diversas situações.
Para alcançá-los, os itinerários precisam ser pensados em torno do que foi definido como “eixos estruturantes”. São eles: investigação científica, processos criativos, mediação e intervenção sociocultural e empreendedorismo.
Os estudantes podem (ou devem, preferencialmente) passear por todas as áreas do conhecimento para que possam desenvolver um conjunto diversificado de habilidades. No entanto, é importante que a escola saiba que existe liberdade para a criação desses itinerários de forma que atenda a logística de funcionamento e a sua estrutura física.
Outra possibilidade é dedicar essas horas ou combiná-las com formação técnica e profissional, que incluem cursos técnicos de nível médio, cursos de formação inicial e continuada desde que articulados e até mesmo o programa de jovem aprendiz. Tudo isso deve ter como base os objetivos curriculares da escola e, principalmente, o interesse dos seus estudantes.
Em termos de duração, é possível que os Itinerários Formativos durem um bimestre, semestre ou ano, por exemplo, e, conforme mencionado anteriormente, podem acontecer em diferentes momentos e cargas horárias ao longo dos 3 anos do Ensino Médio.
Aqui, as possibilidades são várias. Uma sugestão é focar nas parcerias com instituições que já possuem o conhecimento e a prática para ajudar com o desenvolvimento desses itinerários junto a escola.
E quais são os desafios do Novo Ensino Médio e BNCC?
Por mais que na teoria essas mudanças venham a contribuir para formação dos estudantes, na prática é natural que surjam dúvidas.
São diversos questionamentos que ainda ficam, tanto de natureza burocrática quanto pedagógica:
Como ficará a formação dos professores que precisaram se adaptar a uma nova forma de ensinar e alinhar conteúdo a desenvolvimento de competências? Como controlar e avaliar os alunos que percorrem uma trilha fora do perímetro da escola?
Qual o futuro dos exames nacionais? Muitos prazo e processo ainda precisam ser definidos pelo MEC. Como iniciar a implementação das mudanças com a garantia de que atividades complementares e parcerias sejam validadas para contabilização da carga horária necessária?
A sugestão é de antecipar o que puder com o auxílio dos conselhos estaduais e, principalmente, investindo na formação continuada dos professores que serão fundamentais para o sucesso dessas mudanças.
Ainda lidamos com muitas incertezas. A única certeza é que precisamos começar a mudar.
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