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educação inclusiva

Um olhar da Educação Inclusiva sobre o ensino remoto

Quando se fala em Escola Inclusiva e/ou Educação Inclusiva, o primeiro pensamento ainda é para os alunos público alvo da Educação Especial (alunos com deficiência, transtorno do espectro autista e altas habilidades). As discussões políticas sobre educação inclusiva, que se intensificaram na década de 90, vieram principalmente por reivindicação das pessoas com deficiência, seus familiares e grupos de defesa de direitos humanos.

Quando o Brasil se tornou signatário da Declaração de Salamanca, publicada em 1994 como resultado da Conferência Mundial sobre necessidades educativas especiais realizada pela UNESCO (em cidade homônima na Espanha), assumiu um compromisso de implementar um sistema educacional comprometido com a qualidade do ensino ofertado a todos os alunos, independente da necessidade educacional que pudessem apresentar.

Portanto, a mudança do paradigma de segregação e integração para o de inclusão diz respeito ao comprometimento da escola em eliminar barreiras de várias ordens e possibilitar, a todos os alunos, a toda comunidade escolar, o acesso ao currículo e à aprendizagem significativa.

Os modelos de segregação ou integração representam a época em que os alunos com deficiência e outras minorias não tinham acesso, ou tinham acesso parcial, à educação. Também era o caso de frequentarem instituições educacionais à parte da escola comum (escola especial) – paradigma de segregação – ou salas exclusivas para esse público dentro das escolas comuns – paradigma da integração. Esses modelos que pressupõem a busca pela “normalização”, entendem as diferenças como problemas e baseiam-se em padrões e requisitos.

Já o paradigma de inclusão entende que as diferenças entre as pessoas existem, são múltiplas, passando por diferenças pessoais, culturais, sociais e políticas. Segundo esse paradigma, a escola regular precisa se modificar estruturalmente para ofertar educação adequada às necessidades educativas de todos os alunos, e não o contrário, e sempre se questionar em como pode se aperfeiçoar para garantir uma inclusão de qualidade.

Por estruturalmente entende-se mudanças que abrangem recursos humanos e materiais, estratégias pedagógicas diferenciadas, formação continuada dos professores e presença de profissionais especializados no quadro de educadores, entre outras. 

Assim, a escola inclusiva é para todos. É a escola que acolhe e respeita as diferenças de gênero, orientação sexual, religião, raça, etnia, classe social, estado de saúde e deficiência. É a escola que adapta o seu contexto educacional aos alunos, considerando suas “condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas, sensoriais, psicológicas”. É a escola que se preocupa não só com o acesso, mas com a permanência e a educação de qualidade para todos. 

Educação Inclusiva sobre o ensino remoto
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A Educação desigual do Brasil

No entanto, quando se avalia a educação no Brasil, os números trazidos pelo Anuário Brasileiro da Educação Básica 2019 revelam que estamos longe de ter uma educação inclusiva:

  • 48,5 milhões de matrículas na Educação Básica, enquanto 1,5 milhão de crianças e jovens fora da escola;
  • De cada 100 estudantes que ingressam na escola, 90 concluem o Ensino Fundamental I até os 12 anos, 76 concluem o Ensino Fundamental até os 16 anos e somente 64 concluem o Ensino Médio aos 19 anos;
  • Dos alunos matriculados no Ensino Fundamental I, 60,7% tem aprendizagem adequada em português e 48,9% em matemática. No Ensino Fundamental II, essas taxas caem para 39,5% e 21,5%, respectivamente. No Ensino Médio, a situação é ainda mais crítica: 29,1% e 9,1%.

Assim, o Brasil iniciou a terceira década do século XXI ainda com a urgência em reduzir as desigualdades de acesso, permanência e qualidade da Educação Básica. As metas do Plano Nacional de Educação, criado por lei em 2014 e com validade de 10 anos, estavam longe de serem alcançadas. Um avanço significativo na melhoria da educação exigirá grandes esforços coordenados da sociedade civil e poder público pelos próximos anos.  

A pandemia da COVID-19 e os efeitos na comunidade escolar no Brasil

Todo esse contexto posto, a pandemia da Covid-19 chegou ao Brasil no primeiro trimestre de 2020 e desconstruiu a realidade. As escolas foram atingidas em cheio e tiveram que fechar as portas. A exemplo dos países que já haviam iniciado o enfrentamento ao Coronavírus, partiram muito repentinamente para o que foi chamado de ensino remoto

Os professores

Os professores, que mal haviam iniciado o ano letivo, e ainda estavam conhecendo seus alunos e estabelecendo vínculos com eles, foram obrigados a se recolher em suas casas.  Do dia para a noite, muitos educadores das redes públicas e privadas que conseguiram implementar estratégias para o ensino remoto, precisaram adquirir uma gama de novas habilidades e competências, principalmente tecnológicas, para garantir um ensino com um mínimo de qualidade para seus alunos. Muitas redes, entretanto, ainda não conseguiram estabelecer uma estratégia de ensino remoto como mostra o estudo da ONG Todos pela Educação.

Por mais que os professores estivessem acostumados a pressões em sala de aula, o novo cenário  introduziu novos pontos de tensão à suas vidas profissionais: incerteza de conseguir chegar a seus alunos, dificuldade de acesso e estabilidade de conexão de internet dos alunos e própria, dificuldade de conseguir se certificar da inclusão de  todos os alunos no formato remoto, adaptações metodológicas constantes, pressões externas, falta de interação. Com isso os professores passaram a trabalhar muito além da sua carga habitual, chegando a um total de 12 a 16 horas por dia, sob estresse constante, conforme revela pesquisa realizada pelo Instituto Península.

Os alunos e as famílias

Os alunos apresentam-se como o grupo de maior pluralidade. Apresentar este grupo, que abarca também suas famílias, acaba sendo como que mostrar um pequeno retrato da realidade brasileira, que tem como uma de suas principais características uma imensa desigualdade de condições sociais, econômicas e culturais.

Alguns dados, levantados pelo “Todos pela Educação”, mostram números que embasam essa afirmação: em termos de conexão à internet, cerca de 67% dos lares possuem acesso, porém esta distribuição não é uniforme. Para aqueles que não possuem acesso à internet, o alto custo (27%) e o não conhecimento de como usar a internet (18%) são tidos como os principais motivos para o não acesso. A principal ferramenta de acesso à rede é o celular que está presente em 93% dos domicílios brasileiros. Computadores já são bem mais raros em todos os cenários (42% em média), chegando a 9% de presença nos domicílios das classes D-E. 

Em um dos extremos desse paradoxo social, está o aluno cuja família está tentando sobreviver em meio à diminuição dos seus já parcos recursos, sem conectividade (ou com essa limitada), às vezes sem comida (que também era recebida na escola).

Essa família, muitas vezes sem letramento – muito menos “letramento digital” – não têm como auxiliar com as atividades escolares. Enquanto no outro extremo é aquele no qual o aluno mora em um local adequado, onde não falta comida e recursos diversos, tem a conexão com internet de boa qualidade e familiaridade com o mundo digital. É possível ainda perceber que, mesmo em famílias com o grau de instrução mais elevado, tem sido desafiador, cumprir papéis, antes delegados às escolas, sem o preparo e estrutura necessários para estas tarefas.

Outra informação importante levantada pela “Todos pela Educação” é o fato de que os conhecimentos e competências prévios dos estudantes fazem toda a diferença no desempenho acadêmico no sistema remoto. Em uma live, Emerson Bento Pereira, diretor de tecnologia do Colégio Bandeirantes, de São Paulo (SP), corrobora com essa afirmação, dizendo que “os alunos que têm destaque acadêmico presencial foram os que continuaram se destacando também em forma remota”. E, assim, as diferenças de “rendimento” continuam se acirrando e o aluno continua sendo responsabilizado pelo seu desempenho.  

E agora?

A pandemia colocou um holofote e exacerbou a realidade da educação brasileira, comprovando as desigualdades existentes, uma vez que na educação do Brasil, nunca houve equidade. Não sabemos como nem quando será o retorno às escolas.

Mas já sabemos que a comunidade escolar – professores, alunos, gestores, funcionários, famílias – estará diferente. Cada um terá vivido essa experiência de forma única, cada um terá marcas muito próprias que carregará para toda a vida e precisará ser acolhido e incluído no “novo normal”, porque não retornaremos ao ponto em que paramos. 

E assim, entendemos que a Educação Inclusiva, que acredita que cada um é único e tem um jeito próprio de aprender, que entende que é responsabilidade da comunidade escolar se adaptar a cada aluno, que acolhe e que enfrenta nas suas práticas a necessidade da mudança e de autoavaliação crítica constante, parece ser a chave para essa reestruturação, ou quem sabe até, para a reinvenção da Escola e da Educação no Brasil.

Artigo escrito pelas alunas da pós-graduação “Inclusão: Práticas Inclusivas e Gestão das diferenças”, Instituto Singularidades. Débora Goldzveig, Leonora Maria Novaes, Luciana Petrilli e Samara Cazzoli y Goya

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