Seguir pela direita ou pela esquerda? Comer chocolate ou não? Responder a mensagem agora ou depois? Que roupa usar hoje? Nosso dia a dia é composto de um sem-número de pequenas decisões, e contamos com redes cerebrais múltiplas e concorrentes entre si para nos ajudar na escolha final. Pode não parecer, mas tudo isso também está lingado a como estimular um cérebro bilíngue.
O mesmo processo pode ser usado para se entender o comportamento dele, aliás, que está constantemente fazendo escolhas sobre os códigos linguísticos mais apropriados em determinadas situações. Sendo assim, é fundamental entendermos como a exposição contínua a duas línguas gera modificações neurais, que ajudam o nosso cérebro a reescrever de forma contínua seus próprios circuitos.
Memória
Assim como um músculo precisa ser exercitado para se tornar mais eficiente, nosso cérebro também precisa de exercícios constantes para se manter saudável e nos servir de forma mais hábil. Aprender duas línguas, por exemplo, ajuda o cérebro a registrar novos sons, vocabulário e estruturas gramaticais, aumentando a capacidade de memorização.
O cérebro de um bilíngue apresenta um maior desenvolvimento da massa cinzenta em uma área voltada para a aquisição de vocabulário. Vale lembrar que massa cinzenta, por sua vez, é responsável pela concentração de um grande número das células nervosas no nosso cérebro. Desta forma, quanto mais massa cinzenta, mais o cérebro está apto para executar tarefas de forma rápida e eficaz.
O bilinguismo também está envolvido com a matéria branca do cérebro, que se caracteriza por ser uma substância gordurosa, localizada embaixo da massa cinzenta. Ela permite que as mensagens percorrem de forma mais rápida e eficiente as redes de nervos e o cérebro, mantendo as conexões entre elas para que a comunicação ocorra de uma maneira mais otimizada.
Ainda em relação à memória, os bilíngues tendem a ser mais eficientes na retenção de informações contidas em listas e sequências. Isso se deve ao fato deles desenvolverem uma melhor memória de trabalho, que é responsável por guardar e processar informações a curto prazo.
Vale ressaltar que a memória de trabalho também desempenha um papel fundamental na realização de atividades relacionadas a cálculos mentais e compreensão da leitura, visto ser necessário estabelecer uma associação entre as sucessivas informações contidas em um texto.
Função executiva
Como o cérebro bilíngue está constantemente desafiado a se comunicar em sistemas de linguagens distintos, ele aumenta sua capacidade de negociar, interpretar significados e solucionar problemas.
Isto é, ele passa por avanços relacionados ao sistema executivo, que é um conjunto de habilidades mentais, que ajudam a bloquear informações não relevantes. A área do cérebro relacionada a tal atividade é o córtex pré-frontal dorsolateral, que desempenha um grande papel na função executiva, resolução de problemas, alternação de tarefas e concentração, filtrando informações irrelevantes.
Ao falar, escutar ou escrever, o cérebro bilíngue fica ocupado, procurando selecionar a palavra mais adequada e bloqueando o mesmo termo da outra língua, o que é uma complexa tarefa de controle executivo, chamada de atenção seletiva.
Tal capacidade, portanto, ajuda o indivíduo a ter uma maior flexibilidade cognitiva, pois consegue passar de forma rápida de uma atividade para outra sem que ocorra confusão ou desalinhamento de informações.
Acrescenta-se a isso, o fato de os bilíngues terem mais facilidade de se imaginar no lugar dos outros, visto que são capazes de inibir as informações que já lhe são familiares e conseguem se concentrar na perspectiva alheia.
Criatividade
A criatividade é muitas vezes definida como a capacidade de recombinar informações já existentes para resolver problemas de formas diferentes. Para a neurociência, essa capacidade de encontrar novos caminhos entre ideias e conceitos depende do esforço conjunto de regiões localizadas nos dois lados do cérebro e da flexibilidade cognitiva, que permite mudar o já existente para melhor adaptar-se às situações de diversas maneiras.
Mas afinal, como isso está relacionado ao bilinguismo?
Ao ser exposto a códigos linguísticos diferentes, o bilíngue precisa frequentemente exercitar sua capacidade criativa para estabelecer associações de ideias entre as duas línguas, além gerenciar a interferência das línguas entre si para dizer a palavra mais apropriada, na língua certa e na hora devida.
Sendo assim, o bilíngue apresenta superioridade relacionada à flexibilidade mental, facilidade na formulação de conceitos, além de dispor de um eficiente conjunto de habilidades mentais mais diversificado.
Facilidade para aprender outras línguas
Quando nosso cérebro já domina mais de uma língua, ele tem uma melhor compreensão de como a linguagem se processa, além de ter desenvolvido uma variedade de recursos relacionados ao aprendizado de línguas. Sendo assim, o cérebro está melhor preparado para realizar as conexões neurais necessárias, visto que já se adaptou aos procedimentos necessários para lidar com uma nova combinação de códigos e significados.
Além disso, o cérebro também já está preparado para esse novo exercício mental, que fará com que a memória tenha a capacidade aumentada para reter as informações de uma outra língua. Desta forma, o cérebro passa a um patamar mais elevado não apenas cultural, mas também cognitivo.
Esse fato reforça que a crença de que a educação bilíngue pode prejudicar o aprendizado é um mito, conforme abordado pelo artigo “Mitos e Verdades sobre a educação bilíngue”.
Em suma, como o cérebro humano está em constante alteração, ao lidarmos com bilíngues, devemos ter uma ampla compreensão de como seus cérebros funcionam para que possamos oferecer os estímulos necessários e aplicá-los de forma eficiente, promovendo um desenvolvimento cerebral saudável e eficaz do falante bilíngue.
Autor: Andreia Fernandes
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