No Edify, nos situamos no modelo dinâmico de bilinguismo descrito por Ofélia Garcia (2009), onde o indivíduo é considerado em sua integralidade e o bilinguismo é visto como um recurso. O processamento de duas ou mais línguas passa por diferentes estágios, transpondo o indivíduo monolíngue à condição de bilíngue emergente. Seu repertório linguístico lhe possibilita mover-se entre as diferentes práticas discursivas e sociais das diferentes línguas. Neste artigo, iremos abordar a importância do desenvolvimento da oralidade para alunos em contextos de educação bilíngue.
Oralidade
A oralidade é um fenômeno complexo que abarca múltiplas dimensões:
- Linguística: escolha apropriada de vocabulário, utilização de estruturas gramaticais de acordo com as funções de linguagem intencionadas e registro apropriado ao contexto;
- Física: fluência, inteligibilidade de pronúncia, clareza e projeção da voz;
- Cognitiva: raciocínio, argumentação, intencionalidade, gerenciamento da fala, pensamento crítico;
- Sócio-emocional: confiança, atitude, escuta ativa, consciência do interlocutor.
Além disso, quando indivíduos se expressam oralmente, a escolha de seu discurso e formas de expressão é ditada pelo contexto situacional e a intenção comunicativa. Para o desenvolvimento da oralidade, bilíngues emergentes necessitam de muita exposição à língua adicional e oportunidades de práticas interacionais e sociais, experiências e vivências.
O desafio da oralidade na sala de aula
O desenvolvimento da oralidade em contexto escolar apresenta múltiplos desafios. Em primeiro lugar, há questões emocionais que geram ansiedade nos estudantes. Segundo Krashen (1982), filtros afetivos como motivação e autoconfiança impactam a aquisição de uma língua adicional. Vários estudantes não se sentem confortáveis com a exposição em público, porque estão preocupados em cometer erros, receber críticas ou ainda não desenvolveram estratégias comunicativas que permitam uma interação fluida.
O conhecimento limitado de vocabulário em relação a um conteúdo específico também pode ter impacto direto na produção oral dos alunos, uma vez que eles não conseguem se expressar, mesmo tendo ideias sobre o tema. Por exemplo, se os alunos ainda não foram expostos ao vocabulário específico de geometria, não poderão falar sobre diferentes tipos de triângulos e suas particularidades. Como resultado, alunos hesitam em participar de atividades orais e podem se tornar passivos em sala de aula.
Dentro do contexto escolar, muitas vezes há pouco espaço para o trabalho com diferentes gêneros da língua falada. Para que os alunos possam produzir oralmente, primeiramente eles necessitam de exposição à língua falada. Atividades guiadas de compreensão auditiva e recursos autênticos como vídeos, podcasts, músicas etc., apoiam essa exposição. Também é comum casos onde professores tendem a privilegiar aspectos formais da língua como gramática, sem oferecer oportunidades orais, práticas sociais e vivências na língua adicional. Tudo isso pode resultar num fraco desenvolvimento da oralidade.
O papel do professor
Os professores desempenham um papel importante para o desenvolvimento da oralidade dos alunos. Primeiramente, é essencial que o educador estabeleça um ambiente de aprendizagem amigável e seguro onde os alunos não tenham medo de cometer erros, assim como proporcionar oportunidades para desenvolvimento da oralidade, por meio do planejamento de atividades que tenham objetivos claros e foquem não somente a acurácia, mas também a fluência e intenção comunicativa.
Em segundo lugar, o aluno precisa desenvolver habilidades básicas de comunicação interpessoal (fluência de conversação) e dominar os recursos linguísticos necessários para falar sobre um determinado assunto ou matéria (proficiência acadêmica), conforme descrito por Jim Cummins (1999). O professor deve atuar como um facilitador e monitor desse processo, utilizando frames de comunicação, apresentando e reforçando expressões, vocabulário e colocações linguísticas referente ao tema específico, bem como provendo arcabouços (scaffolding), para equipar o aluno para atividades e tarefas comunicativas com foco em oralidade.
Em seu papel como monitor, o professor também necessita estar atento à produção oral de seus alunos e oferecer feedback contínuo e construtivo para que os mesmos possam expandir sua produção oral e se sintam cada vez mais confortáveis e seguros para se expressarem oralmente. Nesse monitoramento, o professor pode também tirar proveito de oportunidades para expansão linguística baseada na língua emergente durante atividades.
A importância da avaliação da oralidade
Para apoiar o aprimoramento da oralidade, é essencial que professores coletem evidências sobre as habilidades comunicativas de seus alunos. A avaliação formativa adequa-se a esse propósito pois possibilita que professores utilizem os dados coletados por meio de instrumentos avaliativos para atuar sobre os objetivos de oralidade em desenvolvimento. É a avaliação para o aprendizado. Atividades avaliativas orais que deem escolha e voz aos alunos e que sejam significativas proporcionam propósito e relevância aos alunos. Para tal, é essencial a seleção de contextos autênticos de uso de linguagem que refletem interações reais.
Paralelamente, o uso de rubricas de avaliação é uma ferramenta eficaz para a avaliação e desenvolvimento da oralidade. Primeiramente deve-se definir os critérios de avaliação oral e expectativas sobre marcos de sucesso. Uma vez que as rubricas estejam definidas, os professores podem compartilhar as mesmas com seus alunos. Esse processo alinha expectativas e direciona os alunos na preparação para o evento avaliativo. Além da avaliação pelos professores, os alunos também podem se auto-avaliar após suas apresentações ou avaliar seus pares. Esses múltiplos olhares sobre a produção de alunos enriquecem o momento de feedback e promovem um ambiente de colaboração e confiança, diminuindo a ansiedade.
Por fim, o feedback deve sempre gerar ações para o aprimoramento da oralidade. Hattie (2009) indica que seu propósito é diminuir a discrepância entre o desempenho atual e os objetivos desejados. Para tal, professores e alunos devem refletir e discutir os objetivos de desempenho (rubricas de avaliação), as evidências de desempenho coletadas e ações futuras que irão apoiar os alunos e promover uma sensação de progresso.
Autores: Cristiane Corsetti e Flávia Villela
Referências bibliográficas
• CUMMINS, Jim. “BICS and CALP: Clarifying the Distinction.” 1999.
• GARCIA, Ofélia. Bilingual Education in the 21st Century: A Global Perspective. Nova Jersey: Blackwell, 2009.
• HATTIE, John. Visible Learning: A synthesis of over 800-meta-analyses relating to achievement. New York: Routledge, 2009.
• KRASHEN, Stephan. Princípios e práticas na aquisição da segunda língua. Oxford: Pergamon Press. 1982
• The Oracy Skills Framework and Glossary. University of Cambridge, Faculty of Education, 2020.Disponível em: <https://oracycambridge.org/wp-content/uploads/2020/06/The-Oracy-Skills-Framework-and-Glossary.pdf> Acesso em 10 junho 2021.
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