Nos últimos anos, a área da educação vem tentando aliar alguns elementos das ciências cognitivas, como a psicologia e a neurociência, com a prática em sala de aula. Vários cursos de pós-graduação, além de conferências, workshops e outros eventos têm surgido no meio pedagógico com tópicos associados à neuroeducação, ciência do aprendizado e ciência da mente, cérebro e educação. E, com esse processo, também chegam as novas ferramentas online para professores.
O objetivo principal dessa área do conhecimento é o estudo de estratégias de ensino/aprendizagem com base em evidência científica. Mas, quais são de fato essas ferramentas online para professores? O que a ciência do aprendizado recomenda quando o assunto é aprender?
O intuito desse texto é descrever brevemente seis estratégias discutidas no artigo recente de Yana Weinstein, Christopher R. Madan & Megan A. Sumeracki (2018), bem como sugerir algumas ferramentas online que podem auxiliar na execução delas. Já que muitos professores estão em isolamento social, que tal refletir sobre o que o ensino online pode oferecer?
Repetição espaçada
Para que a memória declarativa seja consolidada no cérebro, é necessário dormir. Informações recentemente aprendidas são armazenadas no hipocampo e temporariamente reproduzidas no cérebro durante o sono para criar mais representações e memórias duradouras (Maquet et al.2000).
Revisar o conteúdo apenas uma vez após a aula ou fazer a lição de casa no mesmo dia pode ser um desperdício de recursos cognitivos, pois seria mais benéfico revisitá-la no dia seguinte depois de dormir e em futuras sessões de revisão com algum espaçamento entre elas (Henderson, Weighall, Brown, & Gaskell, 2012; Seehagen, Konrad, Herbert, & Schneider, 2015).
Ferramenta online sugerida: Google Classroom
A ideia é criar um cronograma de repetição. Como um ótimo Sistema de Gestão de Aprendizagem (do inglês Learning Management System – LMS), o Google Classroom permite programar não só as datas de entrega das atividades, mas também, as datas de postagem de comunicados e dos exercícios.
Intercalação
A prática intercalada, ou seja, de revezamento, é melhor do que a prática contínua de um só assunto. Alternar entre tarefas ou tópicos ao estudar pode ser uma maneira maravilhosa de melhorar o aprendizado (Rohrer & Taylor, 2007). Nosso cérebro não é programado para monotonia. Alterações no ambiente, no recurso utilizado e, especialmente, no conteúdo / tópico são bem-vindas. Em vez de estudar a mesma estrutura gramatical até a exaustão antes de passar para a próxima, estude-a por um tempo, faça uma pausa mental e comece a seguinte. Use a técnica pomodoro.
Ferramentas online sugeridas: Tomato Timers e Google Classroom
Use o site o ou app Tomato Timers. Estude 25 minutos do assunto ou estrutura A, pause por 5 min e intercale com mais 25 minutos de estudo do assunto ou estrutura B. Depois de dois pomodoros (estudo focado por 25 minutos) com uma pausa curta no meio (short pause), faça uma pausa mais longa de 15 minutos (long pause). Outra dica é programar os tópicos do Google Classroom de forma intercalada.
Prática de recuperação
O esquecimento é essencial para a aprendizagem. Se você acha que, só porque o aluno teve uma aula, ele aprendeu, pense novamente. Pergunta rápida: Quanto do conteúdo do teste você consegue se lembrar uma semana depois de fazer o teste? Que tal duas semanas depois? Um mês depois? Um semestre depois?
Se não conseguimos lembrar de algo, isso quer dizer que aprendemos? É provável que não. Nós precisamos fazer o esforço recorrente de recuperar os conteúdos que estamos aprendendo. A recuperação repetida de itens na memória aumenta a consolidação memória declarativa e melhora o aprendizado de longo prazo dos alunos (Karpicke, 2012; Dunlosky et al., 2013).
Logo, ao invés de dar a resposta de uma pergunta aos alunos, deixe que eles busquem a resposta no cérebro. Esse esforço vai ajudar.
Ferramenta online sugerida: Quizlet
O Quizlet permite a criação de flashcards, ou seja, cartões que contém uma pergunta na frente e a resposta no verso. É divertido e altamente funcional. Dá até para usar com a estratégia de repetição espaçada.
Codificação dupla
Precisamos usar processamento verbal e não verbal para consolidar e recuperar melhor as informações da nossa memória. Isso significa que é melhor ouvir e ver algo coisa do que fazer apenas ouvir ou apenas ver (Paivio, 1991).
Numa aula que não utiliza recursos visuais, é provável que a memória de trabalho dos alunos fique cheia mais rapidamente e que a consolidação seja menor. No entanto, com imagens e sons criando redes neuronais mais amplas no cérebro, é mais fácil lembrar do conteúdo exposto.
Ferramentas online sugeridas: Zoom ou Google Hangouts Meet
Utilize plataformas de encontros virtuais. Elas oferecem a possibilidade de compartilhamento de som, vídeo e, em especial, da sua tela, que pode conter figuras pertinentes ao conteúdo sobre o qual você está falando.
Elaboração
A Teoria da Codificação Elaborativa (Karpicke & Smith, 2012) afirma que, para melhor memorização e recuperação, as informações precisam ser codificadas em uma série de maneiras diferentes, e não apenas uma.
Em vez de apenas assistirmos uma aula sobre Present Perfect, o ideal é termos exemplos visuais para mostrar aos alunos, como fotos de experiências e viagens, além de pedirmos que os alunos pensem em outras situações nas quais essa estrutura pode ser utilizada. Eles podem criar podcasts, vídeos, esquemas, organogramas, slides e qualquer outra coisa. Quanto mais elaborado, melhor.
Ferramentas online sugeridas: Padlet e MindMeister
O Padlet é excelente para compartilhar diversos tipos de arquivos de uma maneira visual interessante em um mesmo ambiente ou tela. Os alunos podem colocar imagens, vídeos, texto, áudio e criar blocos de notas editáveis para todos do grupo. O MindMeister serve para criar mapas mentais com a possibilidade de anexar arquivos. É uma ótima maneira de tornar suas anotações mais visualmente atraentes.
Exemplos concretos
Miller (1956), Sweller (1988) e Cowan (2001) concordam com a idéia de sobrecarga cognitiva, ou seja, nossos cérebros não têm capacidade ilimitada para armazenar informações e o número de “pedaços” de informações que podemos manter na memória de trabalho ao mesmo tempo varia de 2 a 9.
Isso quer dizer que precisamos dar exemplos práticos em vez de apenas contar a teoria, especialmente quando estamos ensinando as crianças, que não têm capacidade de entender conceitos muito abstratos. Ao eliminar explicações cheias de jargões ou palavras difíceis, muitas definições e conceitos abstratos e usar uma situação familiar, como uma analogia, podemos ajudar os alunos a entender e memorizar melhor.
Ferramentas online sugeridas: Canva e Powtoon
O Canva é ótimo para criar e editar pôsteres, panfletos, guias, portfólios e posts para as mídias sociais. Você pode utilizá-lo para melhorar o design dos seus slides e incluir analogias incríveis.
Se quiser um desafio um pouco maior, utilize o editor de animações Powtoon. Como ele você consegue dar vida a situações e narrativas com personagens animados, efeitos e trilha sonora.
Lembre-se: essas são apenas algumas ferramentas que podem ajudar a tornar esse período de suspensão de aulas mais produtivo. Com a nova realidade de ensino a distância para crianças, nós precisamos sair um pouco da nossa zona de conforto e tentar novas estratégias.
Minha dica para todos é que nós continuemos a nos reinventar e que aprendamos a agir da maneira que gostaríamos que nossos alunos agissem, isto é, com proatividade e curiosidade para descobrir o que o mundo tem a oferecer. Façam isso e explorem a Ciência do Aprendizado.
Com uma mente aberta às novas tecnologias, paixão por aprender e um pouco de conhecimento científico sobre como o cérebro aprende, temos muitas das ferramentas necessárias para criar uma mudança significativa na educação.
Referências
Cowan N. (2001) The magical number 4 in short-term memory: A reconsideration of mental storage capacity. Behavioral and Brain Sciences. 24:87–185
Dunlosky, J., Rawson, K. A., Marsh, E. J., Nathan, M. J., & Willingham, D. T. (2013). Improving students’ learning with effective learning techniques: Promising directions from cognitive and educational psychology. Psychological Science in the Public Interest, 14, 4-58
Henderson, L. M., Weighall, A. R., Brown, H., & Gaskell, M. G. (2012). Consolidation of vocabulary is associated with sleep in children. Developmental Science, 15, 674–687
Karpicke, J. D. (2012). Retrieval-based learning: Active retrieval promotes meaningful learning. Current Directions in Psychological Science, 21(3), 157-163
Karpicke, J. D. & Smith, M. A. (2012). Separate mnemonic effects of retrieval practice and elaborative encoding. Journal of Memory and Language. 67 (1): 17–29
Maquet, P., Laureys, S., Peigneux, P., Fuchs, S., Petiau, C., Phillips, C., . . . Cleeremans, A. (2000). Experience-dependent changes in cerebral activation during human rem sleep. Nature Neuroscience, 3(8), 831-6.
Miller, G. A. (1956). The magical number seven, plus or minus two: Some limits on our capacity for processing information. Psychological Review. 63 (2): 81–97
Paivio, A. (1991). Dual coding theory: Retrospect and current status. Canadian Journal of Psychology/Revue canadienne de psychologie, 45(3), 255
Rohrer, D., & Taylor, K. (2007). The shuffling of mathematics problems improves learning. Instructional Science, 35, 481–498.
Seehagen, S., Konrad, C., Herbert, J. S., & Schneider, S. (2015). Timely sleep facilitates declarative memory consolidation in infants. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, 112, 1625–1629
Sweller, J. (1988), Cognitive Load During Problem Solving: Effects on Learning. Cognitive Science, 12: 257–285
Weinstein, Y., Madan, C.R. & Sumeracki, M.A (2018). Teaching the science of learning. Cogn. Research 3, 2
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