“Teacher, how do you say “Fortnite” in English?”
Você sabe o que é Fortnite? Se tem filhos ou está em constante contato com os jovens, provavelmente já ouviu o termo, já que é a nova tendência entre as crianças! E se o nome do jogo aparenta estar em inglês, é porque Fortnite é uma brincadeira com palavras que ilustra o jogo de construir fortes e sobreviver à noite (fort + night), originalmente por um período de duas semanas (fortnight).
Os planos para o jogo mudaram e evoluíram, removendo um pouco do sentido original do nome. Entretanto, não houve diminuição da sua popularidade, tornando quase impossível encontrar uma turma na qual alguns alunos não joguem com frequência.
Assim como o plano de desenvolvimento do jogo sofreu alterações em resposta às demandas da comunidade de jogadores, os planos de aula de professores, às vezes, precisam ser adaptados e alterados durante a aula devido às necessidades dos estudantes.
Um dos grandes desafios encontrados por professores de todo o mundo – e não apenas os de inglês! – é despertar o interesse dos alunos nos tópicos que precisam ser abordados em sala. Dispomos de diversas técnicas para tanto, como personalização, contextualização, gamificação, ativação do conhecimento prévio, entre outras.
Essas técnicas, quando inseridas corretamente no plano de aula, são de grande valia para professores e alunos, já que favorecem a retenção do conteúdo, atenção dos estudantes e podem também influenciar na gestão do comportamento em sala.
A experiência de vida dos jovens tem um papel importante na eficácia dessas técnicas, e não é raro que alguns assuntos não despertem interesse e curiosidade – daí a importância de materiais didáticos atuais e apropriados à idade – simplesmente por não estarem presentes em suas vidas.
Em contrapartida, temas e assuntos que não fazem parte do currículo podem oferecer oportunidades de aprendizado valiosas, aproveitando-se da atenção natural dos alunos.
Entende-se atualmente que a aquisição de vocabulário se dá principalmente através da exposição a um input compreensível e requer interações genuínas na língua alvo, nas quais relações de sentido são expressadas e compreendidas.
Podemos, então, explorar estas relações através de incidental language ou linguagem incidental: vocabulário além do que é necessariamente planejado, que pode surgir organicamente, e expressa relações de sentido imediatamente relevantes.
Outro aspecto importante da retenção de vocabulário é a frequência de exposição: palavras recorrentes são assimiladas mais rapidamente pelos aprendizes de uma segunda língua. Por isso o vocabulário de sala de aula é frequentemente adquirido incidentalmente e, assim, é natural que os aprendizes tenham um repertório maior sobre seus temas de interesse.
Voltamos à pergunta inicial um assunto de interesse dos alunos, que desperta a curiosidade e transforma o aprendizado em uma experiência significativa e orgânica. Através do levantamento do conhecimento prévio dos alunos, podemos inicialmente direcionar práticas que favoreçam as competências comunicativas de forma apropriada ao seu nível linguístico e maturidade.
Explorando os objetivos e mecânicas do jogo, podemos apresentar vocabulário novo e direcionar perguntas que fomentem a produção espontânea e interações aluno-aluno e professor-aluno genuínas.
O compartilhamento e a promoção de espaços de fala para os interesses da classe também favorecem o bom relacionamento entre estudantes e professores – sem dúvida um dos aspectos fundamentais da aquisição efetiva de linguagem. Ao permitir que a atenção dos alunos oriente o fluxo da aula e, até certo ponto, o conteúdo trabalhado, facilitamos o engajamento e envolvimento nas práticas propostas.
Portanto, a sala de aula precisa ser observada não como um sistema fechado, impérvio aos fatores externos, e sim como um sistema complexo, influenciado por uma vasta gama de situações e realidades individuais. Nesse contexto os interesses pessoais e o fluxo de atenção dos alunos podem ser tratados como um grande motivador de aprendizado ou como uma fonte de dificuldades, seja no acompanhamento do calendário ou na gestão do comportamento.
Em um momento no qual metodologias ativas e ensino centrado no aluno chegam à ribalta dos debates sobre educação, cabe utilizar estes fatores de forma a promover experiências de ensino significativas, com interações expressivas e que favoreçam a autoria e a autonomia do aluno. Tais experiências ampliam o alcance da sala de aula e motivam o aprendizado individual, preparando e equipando alunos para aproveitarem oportunidades de aprendizado emergentes em seu dia a dia.
No contexto de programas bilíngues, há uma forte necessidade de se cobrir conteúdos específicos dentro de um calendário escolar predeterminado, tornando necessário equilibrar as situações incidentais com o conteúdo programático.
Isso pode ser feito de diversas formas, desde a inclusão de aulas sem conteúdo definido no calendário, que podem amortecer os impactos do tempo gasto com linguagem incidental a longo prazo, até a inclusão periódica de um tempo específico para tais momentos ou ocasionais desvios completos do planejamento inicial.
É importante ressaltar também que o uso de linguagem incidental como ferramenta de aprendizado pode ser deliberado através da identificação e inclusão de oportunidades no planejamento de aula. Esta valiosa ferramenta é particularmente útil no trabalho com habilidades receptivas, em especial na leitura. Ao selecionar o input (texto ou áudio) a ser utilizado, teremos elementos da língua alvo, que serão abordados diretamente, além de novos itens lexicais que não são necessariamente conectados à unidade temática da lição ou unidade.
Equipar os alunos para lidar com palavras desconhecidas com técnicas de inferência ou criação de glossários, além de promover o uso ativo da língua, estimulando que os aprendizes contornem palavras desconhecidas durante a produção – através do uso de descritores ou até outras modalidades de linguagem, que não língua materna –, prepara-os para situações do mundo real e promove independência e autonomia.
O aproveitamento de linguagem incidental e a reiteração de sua importância para os aprendizes resulta em falantes mais competentes e confiantes em suas habilidades em uma segunda língua.
No paradigma da sala de aula como sistema complexo, é preciso se preparar para o inesperado, seja através de um planejamento permissível ou melhores mecanismos de controle.
O trabalho com linguagem incidental pode ser positivo para ambos os extremos, seja na apresentação de temas e léxico propostos pelos alunos, ou como forma deliberada de orientar a atenção. De toda forma, contribui com nosso objetivo maior como educadores: formar aprendizes autônomos, críticos, competentes e capazes de lidar com a emergência de um mundo em constante processo de reconstrução.
Sendo assim, antes de tentar recuperar a atenção da classe e seguir com o conteúdo planejado, é pertinente considerar o que está no centro das atenções e avaliar a possibilidade de aproveitar a situação, criando experiências positivas de aprendizado.
Autor: Kaoue Guimaraes
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